terça-feira, 26 de junho de 2018

Evolução da Navegação Aérea

Por Cmte Igor Senez (Maio de 2018)

Antes da introdução da tecnologia do Flight Management Computer System (FMCS), as aeronaves possuíam um sistema de navegação convencional. Nesse sistema, a posição da aeronave era determinada por marcações magnéticas em referência a emissões enviadas de terra por um sistema de Non-Directional Beacon (NDB), que eram captadas por um sintonizar Automatic Directional Finder (ADF) que, por sua vez indicavam, sobre o cartão de uma bússola, a posição da estação e tinham um alcance confiável de 400 Km. As estações NDB estão em uso desde os anos 40, mas estão tornando-se obsoletas. Aviões modernos já não contam com este equipamento. Hoje, o sistema de balizamento ainda é feito, basicamente, por estações Very High Frequency Omnidirectional Range (VOR), equipados com o medidor de distância conhecido como Distance Measuring Equipment (DME). Atualmente, o DME é ainda muito usado pelos FMCS para a verificação do Area Data Navigation e definição do FMC Position (conjunto de posições computadas para a determinação da posição de referência). Para a navegação convencional, era necessário que o sistema de navegação aérea contasse com aerovias largas e com separações verticais excessivas. Note-se que as Aerovias Superiores convencionais têm até 43nm de largura.
Aos voos transoceânicos era exigido um dos membros das tripulações, o Navegador, com plenos conhecimentos em navegação astronômica, onde as aeronaves eram equipadas com sextantes de navegação pelas estrelas, nos moldes das embarcações marítimas, apesar de utilizarem, também, com a navegação inercial.

Indicador de Atitude convencional com emprego de giroscópio eletromecânico.


Já o Doppler, que podia substituir o INS, era um equipamento que se orientava, basicamente, pelo seu ponto de partida e computava o desenvolvimento do voo. O sistema da aeronave emitia feixes concentrados de energia eletromagnética numa determinada frequência que, ao atingir a superfície da terra ondas eram refletidas e comparadas ao sinal emitido. Dessa forma, devido ao efeito doppler, a diferença entre eles era computada para fornecer as informações de velocidade e deriva. Mesmo assim, necessitava das informações convencionais de navegação para confirmação de posição da aeronave.
Por sua vez, o OMEGA foi um sistema de radionavegação por baixa frequência (10 a 14 kHz) utilizado para obter a posição de aviões e navios e ajudar a determinar as suas rotas. Operado pelos Estados Unidos da América e por seis outros Estados parceiros, o sistema OMEGA foi o primeiro sistema de radionavegação de âmbito global, isto é, utilizável em praticamente toda a superfície da Terra.
O sistema Omega, operou entre 1971 e 30 de setembro de 1997, data em que foi desligado por ter-se tornado obsoleto devido à disponibilidade do Sistema de Posicionamento Global (GNSS ).
Em aeronaves de geração passada, antes do B767 e do B737-300, a navegação era totalmente convencional. Uma aeronave em voo de médio alcance decolava de uma determinada localidade para a outra e chegava ao seu destino sem muita precisão, dependendo das correções efetuadas durante o percurso, realinhava ao eixo da aerovia quando, abaixo de 200nm, passava a receber uma estação VOR com mais precisão. Os sistemas de aproximação e pouso eram, na maioria das vezes, procedimentos baseados por NDB. Em localidades com maior movimento de tráfego aéreo o VOR era o sistema básico e em poucos aeródromos tínhamos o ILS para aproximação e pouso. Hoje, 2018, o Brasil conta com apenas 32 aeroportos dotados com ILS CAT I e uma quantidade muito inferior de localidades com aeródromos com operação de aproximação de CAT II, menos de dez aeródromos.

Com a introdução de aeronaves modernas, as informações de terra começaram a deixar de ser o principal elemento de orientação para a navegação aérea. O primeiro sistema embarcado de navegação e altamente confiável foi o Inertial Navigation System (INS), que era uma plataforma autônoma e não dependia de nenhuma informação externa. A plataforma INS foi desenvolvida pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos anos 50’s, que consistia em um equipamento giroscópio eletromecânico e acelerômetros que determinavam a posição quando alinhava com a velocidade de rotação da terra. Para que esse sistema funcione é necessário o uso de dois acelerômetros: um orientado para o Norte e o outro para leste.
Uma nova tecnologia nos trouxe, a partir dos anos 1970s, o “giro-laser” chegou para substituir os antigos equipamentos eletromecânicos. Esses equipamentos eram de alto custo de manutenção, pois seus giros tinham um grande desgaste por rotação que alcançavam até 33.000 rpm. Por outro lado, o giro-laser é um conjunto de “três giros”, um para cada eixo, em que canhões de raio laser de baixa frequência se replicam em prismas e espelhos, infinitamente. A variação desse feixe é medida como frequência ao percorrer um caminho em sentidos opostos, dando orientação tridimensional à aeronave, sempre auxiliado por acelerômetros.


Giro-laser:
Georges Sagnac (14 de outubro de 1869 - 26 de fevereiro de 1928) foi um físico francês que emprestou seu nome ao chamado efeito Sagnac, um fenômeno que está empregado na base de giroscópios de anel laser desenvolvidos desde a década de 1970.
Em 1913, Georges Sagnac mostrou que, se um feixe de luz que é dividido e enviado em duas direções opostas ao redor de um caminho fechado em uma plataforma giratória com espelhos em seu perímetro são recombinados, eles exibirão efeitos de interferência ao se girar a plataforma em sentido positivo ou negativo.

Em uma plataforma estável, ambos os feixes alcançam o detector ao mesmo momento. (Acima)


Em uma plataforma em giro, os feixes gerados irão alcançar o detector em tempos diferentes. (Acima)
Em uma plataforma que apresente um giro à esquerda, o feixe counter-clockwise (em vermelho) irá percorrer um caminho maior até o detector, diferente do feixe clockwise (em azul) que alcançará o detector em menor espaço e tempo. O registro desta leitura é traduzido em frequência registrará a modificação de atitude em cada um dos três eixos.
Efeito muito bem demonstrado no vídeo do endereço a seguir:       https://www.youtube.com/watch?v=Fk0RvzaHq_Q

A plataforma passou então, a ser identificado como Inertial Referece System (INS), pois este inercial passou a fazer parte do Air Data Inertial Reference Unit (ADIRU) e gerenciado pelo Flight Management Computer System (FMCS), em aviões Boeing 767 e Boeing 737 desde os anos 80s.



No passado, quando as aeronaves ainda não eram equipadas com GPS, a navegação era basicamente o que se chamava de Área Data Navigation, onde a Radio Position era determinante para a criação da FMC Position com precisão, normalmente operava com a medição, em voo, da distância de dois DMEs, em comparação com as posições dos IRS. Na América do Norte, onde há uma infinidade de estações DME, o Área Data era constante e muito preciso, diferente da realidade em áreas da América do Sul, onde as estações DMEs são escassas e, quando com doze minutos sem recepção de informações de dois DMEs o sistema revertia para IRS NAV ONLY e a FMC Position passava a ser a média das posições IRS desconsiderando o erro de saída do aeródromo onde foi alinhado. No início desta tecnologia, os IRSs eram alinhados pela posição das coordenadas do aeródromo e, com isso, já carregavam um erro de distância entre a posição genérica do aeródromo e a posição da aeronave na FMC position. Para corrigir este erro, foi adicionado ao FMC Data Base a Runway Position Update ou Takeoff Shift (TO SHIFT), que era a possibilidade ao piloto de atualizar a FMC Position na cabeceira de decolagem. Depois de atualizações do FMC, o próprio To/Ga Switch executava esta tarefa automaticamente na hora da decolagem. O alinhamento do IRS pelas coordenadas do Gate Position minimizou este erro, quando incluídas no Data Base do FMC das aeronaves. Quando a aeronave decolava e já encontrava recepção de dois DMEs, a FMC
Position já adquiria um Actual Navigation Performance (ANP) muito confiável. Quando em áreas navegadas carentes de estações DME a navegação revertia sempre para IRS NAV Only, consequentemente, com menor precisão de navegação.
Na virada do século, o receptor GPS passou a ser equipamento básico de navegação aérea, marítima ou terrestre. O avanço foi extraordinário quando gerenciado e executado pelo FMCS que, basicamente, é o mesmo, mas que recebeu muitos updates de atualizações, deste então.
Um sistema FMCS com GPS integrado produz um PBN de até 0,02 de ANP na maioria das áreas de boa cobertura da constelação de satélites GPS.
Atualmente o Brasil já conta uma infinidade de Rotas RNAV com navegação PBN, encurtando caminhos com grande precisão. Aquelas aerovias convencionais, balizadas por estações de rádio frequência, tendem a desaparecer em futuro breve, mesmo em áreas remotas e também em travessias oceânicas.
Os passos para aproximações mais precisas já foram dados. Procedimentos RNAV GNSS com RNP 0.3 tornou-se normal, sem depender de nenhum auxílio de terra, onde um procedimento GNSS com RNP 0.3 (raio de segurança de 555 metros) é obtido mesmo sem GPS, apenas com Área Data Navigation.
O Brasil parte agora para o RNP-AR APCH (Required Navigation Performance – Authorzation Required – Approach) onde as operações no Aeroporto Santos Dumont já são realizadas até um Decision Altitude (DA) de 305 pés em procedimento de precisão RNP-AR 0.1 (raio de segurança protegido de 185 metros) com perfeita segurança. Na certificação e implantação desta modernidade a GOL Linhas Áreas é pioneira.
A implantação de rotas RNAV trouxeram muitos benefícios à navegação aérea brasileira, mas sem dúvida, a entrada em operação do o RNP-AR APCH em muitas outras localidades é o próximo grande passo para, não só a economia de combustível, mas também, para e aumento de índice de pousos em condições de baixa visibilidade em determinadas localidades com altos índices de inoperância por baixo teto operacional. Além de SBRJ, já temos aproximações RNP-AR-APCH 0.3 homologadas para Navegantes, Joinville, Londrina, Maringá, Campinas Congonhas, Guarulhos e Galeão.
Para tanto, a IS - Instrução Suplementar 91-001 REV.E, de 24 de maio de 2017, da Anac, regula a operação e estabelece seus critérios.

OPERAÇÕES PBN-RNAV
Designação da Operação / Precisão Lateral (RNP) / Área de Aplicação
RNP 10 (RNAV 10) / 10 / Em rota - Oceânica/Remota
RNAV 5 / 5 / Em rota – Continental
RNAV 1 e 2 / 1 e 2 / Em rota - Continental/Terminal
RNP 4 / 4 / Em rota - Oceânica/Remota
RNP 2 / 2 / Em rota - Oceânica/Remota/Continental
RNP 1 / 1 / Área Terminal
RNP APCH / 0.3 / Aproximação
RNP AR APCH / 0.5 - 0.1 / Aproximação
APV/BARO-VNAV / - /Aproximação

Instrução Suplementar da Anac.
RNP-AR APCH (IS nº 91-001E Apêndice K)
Manual on Required Navigation Performance (PBN), estabelece dois tipos de especificações de navegação para procedimentos de aproximação RNP: RNP APCH e RNP APCH com autorização requerida (RNP AR APCH). Tais operações podem oferecer vantagens significativas do ponto de vista operacional e de segurança, uma vez que introduzem capacidades de navegação adicionais em termos de precisão, integridade e funções que permitem operações com separação de obstáculos reduzida.
Um procedimento RNP AR APCH é publicado quando uma aproximação direta não é operacionalmente viável.
Existem três características que justificam o desenvolvimento de um procedimento RNP AR APCH:
a) capacidade de voar um arco publicado, Radius to Fix Leg (RF leg);
b) segmento de aproximação perdida com separação de obstáculos reduzida, RNP inferior a 1.0; ou
c) qualquer parte do segmento de aproximação com emprego de RNP inferior a 0.3.
Nota: Todo procedimento que constar em seu corpo a nota Special Aircraft and Aircrew Authorization Required obedecem esta Instrução Suplementar, sempre que enquadrados em um dos três critérios acima.
Características que determinam um procedimento RNP-AR-APCH
Operacionalmente, para qualquer valor de RNP-AR, pelo FCTM da Boeing, a preparação é feita da seguinte forma, em seus pontos principais:
Nota: Operação no aeródromo de SDU tem condições específicas regida pela Anac.
• Selecione o procedimento na Arrival Page do FMC.
• Se IAF for “at or above”, poderá ser modificado para “at” usando altitude igual. No IAF a velocidade pode ser modificada, normalmente F1 speed, desde que a velocidade máxima não seja excedida.
• Para aeronaves sem Navigation Perfomance Scale (NPS), um dos pilotos deverá ter o “map display range” em 10NM ou menor, para monitorar o “path tracking” durante o seguimento final de aproximação.
• Para aeronaves com NPS, o “map range” poderá ser a critério do piloto.
• TERR deverá ser selecionado em um dos lados.
• Inibição do “updating” de navegação. VOR/DME “updating” deve estar desligado. DME-DME deve estar inibido.
• Para aeronaves com Navigation Performance Scale (NPS ) a tripulação deverá inserir 125 pés para RNP vertical. Embora não haja valores de RNP verticais publicados na carta de aproximação, o uso de 125 pés fara com que o alerta de excedência de desvio âmbar do NPS ocorra a 75 pés requeridos. Valor válido desde o FAP (FAF) até o “missed approach point”, se não houver indicação contrária na carta de aproximação.
• Verificação do RAIM – Receiver Autonomous Integrity Monitoring, está indicado apenas para RNP 0.15 ou menor.
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Sobre o autor:
Igor Soledade Senez, nascido em 13 de abril de 1947 no Rio de Janeiro, iniciou seu curso de piloto no Aeroclube de Nova Iguaçu-RJ em 1967. Entrou na aviação comercial em 1969 nos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul. Voou por três décadas na Transbrasil Linhas Aéreas, onde exerceu diversos cargos administrativos. Dedicou-se sempre ao ensino e treinamento de pilotos. Desde 2004 exerce a profissão de instrutor de simulador de voo na GOL Linhas Aéreas inteligentes. Em meados de 2019 completa 50 anos de atividades em empresas de linha aérea.
link original da matéria: https://www.linkedin.com/pulse/evolu%C3%A7%C3%A3o-da-navega%C3%A7%C3%A3o-a%C3%A9rea-igor-soledade-senez
Bibliografia:
AC – Advisory Circular FAA Nº: 90-101A de 9 de fevereiro de 2016.
IS – Instrução Suplementar 91-001 REV.E, da Anac, de 24 de maio de 2017.
FCTM – Boeing Flight Crew Training Manual
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